sexta-feira, 16 de abril de 2010

Na vanguarda das pesquisas em biocatálise-Unicamp


ISABEL GARDENAL

Projeto temático rende descobertas e artigos em revistas internacionais

Desde a década de 80, os químicos da Unicamp José Augusto Rosário Rodrigues e Paulo José Samenho Moran atuam no front das pesquisas em biocatálise no Brasil. Esta área se dedica ao emprego de micro-organismos para promover transformações químicas de produtos. Com esta tarefa, eles trabalham especialmente no desenvolvimento de novas metodologias relacionadas aos fármacos. Em dezembro último, por exemplo, os pesquisadores concluíram o projeto temático da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) denominado “Biocatálise em síntese orgânica”, que teve duração de cinco anos e foi coordenado por Rodrigues. O saldo foi altamente positivo, segundo os pesquisadores, não somente por servir aos propósitos de fazer avançar a pesquisa, mas pela finalidade social de capacitar alunos e beneficiar a indústria com novas descobertas. Em cinco anos do projeto, houve uma média de 15 publicações em revistas internacionais e, recorrendo às publicações sobre o tema desde a década de 80 então, foram mais de 50.

Quando iniciou, o projeto temático teve financiamento da Fundação no valor de R$ 500 mil, verba que permitiu comprar reatores e equipamentos para análise dos produtos gerados. “Ganhamos ainda um equipamento de infravermelho e um cromatógrafo gasoso, que vêm sendo utilizados por outros colegas do IQ e de outros institutos”, conta Moran.


O objetivo, conforme Rodrigues, vinha sendo produzir intermediários para realizar a síntese de fármacos. Esses intermediários trazem como característica a quiralidade. O fato de serem quirais, explica Moran, já os torna interessantes. “Isso porque o organismo somente aceita intermediários que sejam reconhecidos pelos nossos centros receptores. No caso de um racêmico, você praticamente terá duas substâncias de imagem especular e somente uma vai interagir com o seu organismo para promover o benefício”, afirma. A outra, prossegue ele, pode causar até efeitos tóxicos. Assim sendo, esses intermediários têm sempre centros quirais com a possibilidade de fazer “enantiômeros”, que são produtos que possuem imagem especular não-superponíveis.

Moran ensina que essas duas moléculas têm as propriedades das mãos que, apesar de aparentemente iguais, são diferentes, pois apresentam a relação de imagem especular não-superponível. “Se pegarmos uma luva da mão esquerda e colocarmos na mão direita, o que vai acontecer? Não vai servir. As luvas parecem iguais, mas não são. A ideia é que essas biotransformações produzam somente uma possibilidade. Nesse caso específico, ela somente produziria a mão direita, não a esquerda – apenas um enantiômero.” A finalidade seria produzir moléculas oticamente ativas. “Cada tipo de produto farmacológico precisa de um catalisador específico para realizar uma determinada reação. Por isso, temos tentado descobrir novas metodologias cada vez mais sofisticadas para a triagem de enzimas de interesse”, comenta Rodrigues. As metodologias desenvolvidas em geral buscam unir dois aspectos: alto rendimento e pureza óptica elevada.

De acordo com ele, trabalhar com novas metodologias implica executar reações não apenas em meio aquoso, mas também em meio onde o micro-organismo esteja imobilizado em um suporte. Isso é fundamental para estimular as reações de maneira contínua. E é o que a indústria deseja, diz. “Na reação em meio aquoso, o processo tem que ser feito sempre em ‘batelada’: faço uma reação agora, isolo o produto e o micro-organismo, o qual provavelmente não conseguirei utilizar novamente”. Quando em processo suportado, diferencia, “posso reutilizar o micro-organismo em reações sucessivas e sequenciais. Faço uma reação agora, retiro aquele micro-organismo que eu utilizei e coloco-o novamente para fazer uma outra reação, num novo ciclo de processo”.

Fármacos
Muitas das metodologias desenvolvidas pelos dois pesquisadores do Departamento de Química Orgânica do IQ podem ser utilizadas na síntese para produção de fármacos. Um exemplo disso foi que o grupo realizou a síntese de um intermediário na preparação do indinavir, droga empregada na terapêutica da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), um inibidor de protease que teve a sua liberação para uso em 1996. O grupo teve ainda participação ativa na parte final da síntese do taxol, hoje o medicamento mais indicado no tratamento do câncer de próstata e de mama.

Rodrigues relata que essas metodologias já davam alguns indícios de que rumo seguir, pois a indústria já fazia algumas dessas transformações. No entanto, o grupo do IQ buscou criar metodologias servindo-se de outras rotas alternativas, abrindo mão dos reagentes químicos em prol dos reagentes naturais. As reações que normalmente são efetuadas através de reagentes químicos são substituídas pelas enzimas, que então fazem as biotransformações.

Como desdobramento do projeto temático da Fapesp, o professor Sérgio Marangoni, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia (IB), forneceu aos pesquisadores do IQ o veneno de serpente purificado. O material foi utilizado como um biocatalizador para efetuar transformações químicas. O aluno de mestrado do IQ Renan Augusto Siqueira Pirolla, inclusive, defendeu tese sobre a aplicação de fosfolipase A2 de veneno de serpentes em biocatálise, orientado por Rodrigues, e o conteúdo estará sendo publicado em breve. A expectativa dos autores é que a metodologia desenvolvida aqui possa ser utilizada não apenas como micro-organismo mas como enzimas contidas dentro do veneno da serpente.

Função social
Outra metodologia criada no Laboratório de Biocatálise e Síntese Orgânica foi publicada há pouco no livro Practical Methods for Biocatalysis and Biotransformations, recém-lançado e organizado pelos estudiosos John Whittall e Peter W. Sutton. Tanto Rodrigues como Moran assinam artigo que aborda a hidroxilação de dois compostos orgânicos – indano e tetralina, empregados na síntese de produtos farmacêuticos. Para ambos, a interação com vários especialistas somente tem a contribuir para a ampliação do tema. Também sempre que podem, eles acompanham eventos da área como o de Biocatálise e Biotransformação, além do Biotrans, que acontece na Europa a cada dois anos. “Esta é a oportunidade de apresentarmos os nossos resultados e conhecer outros”, destaca Moran.

Ele esclarece que a função social da pesquisa conduzida no IQ está na formação dos alunos e aplicação no setor produtivo. “Pretendemos realizar investigações com possível uso pela indústria, principalmente pelo setor farmacêutico”, diz. “Ao longo desses anos, tivemos a participação de alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e de pós-doutorado. Esses alunos hoje estão atuando como docentes em universidades que abriram recentemente concurso e muitos deles estão adentrando as portas das indústrias, todos praticamente trabalhando neste campo de biotransformação. Desenvolvemos aqui pessoas com treinamento para executar biotransformações e fermentações.”

O próximo passo estudado por Rodrigues e Moran é dar continuidade a esta linha de pesquisa, mas agora atuando com biocombustíveis. Dentro dessa área, deverão ser visibilizadas novas metodologias, tanto para produzir etanol como outros compostos de amplo uso pela indústria petroquímica, substituindo esses produtos por outros não-fósseis, ou seja, renováveis. “Os compostos preparados, biotransformados, são hoje considerados ‘química verde’. Todos esses produtos gerados não são derivados da indústria petroquímica. Trata-se de produtos politicamente corretos e cujo conjunto de diretrizes é voltado à redução do impacto ambiental dos processos químicos”, destaca Rodrigues.

Ao falarem de interdisciplinaridade, os pesquisadores do IQ acreditam que esta será a evolução natural e que a inter-relação com outros grupos de pesquisa da Unicamp, como o Departamento de Genética do IB e com a Faculdade de Engenharia Química (FEQ), poderão ampliar a discussão de temas como os biocombustíveis e as matérias-primas para substituir os produtos da indústria petroquímica.

fonte:http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2010/ju457_pag11.php#